quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um pouco mais lento e seria um retrato

Teu corpo ardia sob o sol da tarde. Abandonado. Teus olhos fechados, teus lábios entreabertos, tua respiração quieta e profunda. Doce, doce entre os lilases, delicado corpo sobre a grama, entregue à liberdade adormecida de ser apenas corpo.

O movimento involuntário do teu pé esquerdo. O rio imóvel, quente e perfumado dos teus cabelos negros, a estrela desenhada com caneta cor-de-rosa no teu braço direito; meu dedo indicador percorre as tuas costas, até a nuca, e um vento leve agita as folhas nas copas das árvores. A tarde nos foi dada; nossa paisagem, nua, descansa. Sem música. Sem nem a sombra das palavras.

Teus olhos se abriram.

Já faz um século.

Eu estava inventando um milagre. E eu pensava, no início, que seria preciso te guardar da ação da gravidade, ou ainda anular o peso do teu corpo, ou projetar sob os teus pés toda a energia acumulada da minha raiva, do meu orgulho ou do meu desejo. Outras vezes, eu pensava que talvez bastasse eu te distrair de tudo, ou simplesmente fazer versos. É claro que nunca funcionou. Mas eu juro, por tudo o que há de mais sagrado neste mundo, que um dia eu vou encontrar um jeito de te fazer voar de verdade.

– Me beija? – perguntou uma voz rouca.

Meu bem, eu nem pensava em outra coisa.

3 comentários:

Dassi disse...

uma vez você comentou num blog que eu tinha; e você disse: prazer em conhecê-la.
ja é outra vez, e eu te achei procurando; posso dizer, prazer em reconhecê-lo?
eu adorei o texto, e alguns outros que li, prometo, que quando sobrar tempo, apareço para dizer ' prazer em conhecê-lo'.

Vizionario disse...

Excelente!

E até que enfim um bem-humorado, com final trevisântico.

Unknown disse...

Ler seus textos sempre faz miha alma doer, uma dor boa, mas ainda uma dor.