segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Espectro

No começo era brincadeira. Perguntar em que ano estamos, em qual dimensão, a que espécie pertencemos. Ríamos, e eu guardava um orgulho infantil por me sentir diferente. Do mundo. De tudo nele que eu desprezo. Em algum momento as dúvidas deixaram de ser brincadeira. Meu espírito se desprendeu, começou a vagar e a se dissolver no infinito. Eu tenho olhos de que cor? Nos mesmos bares de sempre, nas mesas do escritório ou escovando os dentes: de repente havia uma diferença substancial entre a realidade e eu. Não era triste. Nem era bom. Era estar de volta a uma Terra ancestral, num tempo em que a atmosfera não permitia ainda a diferenciação de cor e tudo era uma grande pasta cinza. Houve esse tempo, sim. Como haverá o tempo em que o sol terá engolido o nosso mundo, um sol envelhecido e já cansado, um mundo sem mais vestígios da nossa civilização. Estas mãos, quantos dedos elas têm? Eu era feliz acreditando em coisas bobas como a felicidade. Hoje - mas hoje quando? - eu ando pelas ruas entre ruídos de corpos e de máquinas vivendo alguma coisa que eu não sei o que é, vagamente durando, musicado por paixões e pensamentos que a cada instante são outros, inutilmente sob um mesmo nome. O amor, o que ele é, que relação terá com este músculo em meu peito feito de metáfora batida? Projetos. Memórias. Tudo se desfez num sopro. E tudo existe ao mesmo tempo, agora.

Um comentário:

a disse...

Eu pude te sentir lendo esse texto.

Adorei, Roger.
:)